Vertigem


Percorro um tecido indistinto
de mim e outros assim,
fibras desenhadas 
de movimento
maleável e fino.

Atravesso paredes de sal
com gosto a serra,
a que sabe dos lugares mais fundos
mas espera 
a seiva sideral
brilhante e vertida
sobre a vida que carrega
no colo meigo.
Onde me alcanço
encontra-me o espelho…
a luz aponta-se delicada
e retira o mistério dos sinais,
onde pousa um,
disfarça a vida cicatrizada,
que a imperfeição marcada
num olhar puro
é dom confuso.

Fiz da minha vertigem uma lâmina
estiquei um palmo de esperança
dos fios soltos e arrepiados
e fui sugerindo passos,
com mãos estendidas
alheadas do sentido,
no encontro rosado
o olhar adormecido,
desperta íntimo e cerrado.




Romantismos desta contemporaneidade

Andam  encantados com o fast-Tudo, tudo com textura plástica mas gosto incrivel. Os homens, esquecidos dos modos cavalheirescos, recebem alertas anuais ali perto do Entrudo, em que as ruas se mascaram de diferentes personagens. E colam-se finas camadas aveludadas, rendas trabalhadas e sugestivas sobre esse mesmo plastico, que cobre os hábitos de cada um. E parecem confiar exclusivamente numa indústria que lhes permita dar a entender e chegar a outro um sentimento.
Por negação, talvez, fecho os olhos, estendo os dedos e deixo as mãos olhar, sentir texturas naturais e perfumes menos estridentes. As mãos vão além da sua fisicalidade e tornam tangível a proximidade humana. E torneiam de tal maneira os mimos, deixando rastos e sorrisos a germinar em lembranças. Quem dera que houvesse mais tacto, que não injectasse um medo precoce de amassar, de chegar à vida e lhe dar forma. O romantismo é  dos corajosos, dos que não são comprados, mas confiam no seu olhar impresso e arrepiante, dando o seu pulso e honestidade.
Ninuém duvida da efemeridade de um excelente presente, inevitavelmente dispendioso e insistentemente não a contornam ou ultrapassam. E, fazendo uma rápida retrospecção, possivelmente não há recordações do que o laço escondia, porque esse podia ser de qualquer estranho... Mas a proximidade não é estranha, é expressão e partilha, mesmo silenciosa.
Deixemos-nos de romantismos de prateleira anuais, somente. São mais dias os outros. E agora que o pavio se esgota, deitar em momentos de veludo.

Monocromatismo

Cada ramo nu
rompe do tronco quente
com tal febre egoísta
que não sente
o coração trespassado em cru
adormecido no cansaço da agonia.

Vão-se esticando,
pobres pedintes gretados…
Mas só vêem inverno
e encolhem-se ao som do mestre
a vergastar suas superfícies descuidadas,
com ânsia de bravas correntes veneradas.

O silêncio dos estalos secos
é a prece onírica
a brisas louras e coradas,
de pétalas a resistir,
suspensas em fio carnal
que veste o veio de espírito
por onde respiram.
E essa flor desfila
no manto geado
com misterioso calor,
veste as cores da noite
porque dela rompeu
beijando as feridas de amor
no meu tronco variado.